A Crioestaminal adotou regime de trabalho inovador e garante que não houve decréscimo de produtividade. Em contrapartida, os colaboradores estão mais satisfeitos. Relatório final de avaliação do projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho é apresentado hoje e revela que esta é positiva para os trabalhadores e não prejudica a economia.
Na Crioestaminal, laboratório líder na criopreservação de células estaminais, todos estão satisfeitos com a semana de quatro dias de trabalho. Os colaboradores, a administração e até os clientes, muitos dos quais deram os parabéns à empresa por esta iniciativa.
A empresa, instalada no Biocant Park, em Cantanhede, foi uma das pioneiras na adoção da semana de quatro dias de trabalho. Em termos práticos, o processo começou há cerca de um ano, quando a Crioestaminal integrou, juntamente com mais de 20 empresas, o projeto-piloto para testar a semana de quatro dias de trabalho. A estas empresas juntaram-se depois mais 20, num total de 41. A maioria adotou este regime de trabalho. Este teste, que decorreu durante meio ano, começou em junho de 2023, após um período de preparação teórica e organizacional, recorda Alexandra Beirão Mendes, diretora dos Recursos Humanos da Crioestaminal.
Balanço Positivo
Findo o projeto-piloto, no final de 2023, seguiu-se, no início deste ano, o período de avaliações. No caso da Crioestaminal, "o balanço foi positivo, correu muitíssimo bem, embora nem tudo esteja perfeito e haja ainda pontos a melhorar", realça a responsável. "Mas, em termos de produtividade, de objetivos de vendas e de angariação de clientes, os resultados foram iguais, não houve nenhum decréscimo", sublinha Alexandra Beirão Mendes.
Os objetivos foram conseguidos apesar de o projeto-piloto ter abrangido o período de férias, que já estavam marcadas, e obrigado a alterar e conciliar dias de descanso e de trabalho, para assegurar o funcionamento da empresa.
Semana de quatro dias de trabalho de 15 em 15 dias
Os resultados conseguidos levaram a que a empresa decidisse, no passado mês de março, adotar mesmo a semana de quatro dias de trabalho, que acontece de 15 em 15 dias. Isto é, a semana de quatro dias é intercalada por uma semana normal, de cinco dias, o que perfaz "uma quinzena de nove dias de trabalho", acentua Alexandra Beirão Mendes.
Esta opção respeita os critérios do projeto - a redução da carga horária, que no projeto-piloto seria no mínimo de oito horas de trabalho a cada 15 dias, mantendo-se o valor do salário - e permite que a empresa, atualmente com 67 funcionários, funcione durante os sete dias da semana. "Temos que assegurar aos pais, os nosso clientes, que estamos sempre a funcionar, em qualquer dia da semana. Os bebés nascem todos os dias e podemos ser solicitados para criopreservar as células estaminais", explica a diretora dos Recursos Humanos.
De fora o Laboratório de Criopreservação
Se no projeto-piloto toda a empresa esteve abrangida, nesta fase ficaram de fora os técnicos de Laboratório de Criopreservação, onde o trabalho diário e a rotatividade de grupos de trabalho dificulta a integração. Os funcionários deste laboratório, e os que não quiserem aderir a este novo esquema de trabalho, são compensados com a atribuição de mais três dias de férias e uma carga horária reduzida de fim de semana. Mas os restantes departamentos da empresa, nomeadamente os laboratórios de Biologia Molecular e de Terapias Celulares, para desenvolvimento de medicamentos, estão a participar.
A semana de quatro dias concretiza-se com a atribuição de um dia de descanso extra, o TOD (time out day). "A maioria dos colaboradores tem a sexta-feira como dia livre, mas há quem tenha também a segunda. E há departamentos, por exemplo o Departamento Financeiro, que tem os seus TOD nas duas últimas sextas-feiras ou nas duas últimas segundas-feiras do mês, conciliando assim com os períodos de mais trabalho", refere Alexandra Beirão Mendes.
Planeamento anual
Se a semana de quatro dias de trabalho é uma realidade possível, a verdade é que exige grande organização e planeamento por parte dos responsáveis dos recursos humanos. "Decidimos, por isso, fazer um planeamento anual, isto é, os TOD foram todos marcados até ao final do ano. Sempre que alguém tem de trocar algum TOD, tem que assinalar porque o fez. Isto é importante porque temos que saber quem está na empresa, a cada dia, e como nos vamos organizar, e evitar a tentação de cada querer definir o seu próprio calendário", frisa a responsável.
"Nós queremos que isto seja mesmo visto como um benefício, não um dado adquirido", salienta a diretora dos Recursos Humanos, justificando a opção pela programação anual.
"Nós queremos manter esta programação anula para irmos avaliando. Anualmente, em dezembro, prevemos rever, olhar para os números e avaliar se mantemos este esquema ou se temos que alterar algumas coisas", adianta a responsável.
Alexandra Beirão Mendes, acredita que "a semana de quatro dias de trabalho é irreversível, porque aquele medo inicial de que podia não funcionar foi afastado".
Processo avançou pelos colaboradores
Aliás, na Crioestaminal, o projeto avançou por vontade da diretora dos Recursos Humanos e da diretora-geral, Mónica Brito. As chefias também aplaudiram a integração no projeto-piloto e foram os colaboradores os mais receosos, por temerem não conseguir realizar o mesmo volume de trabalho em menos dias. "Mas conseguiram e a verdade é que ter um fim de semana de três dias, de 15 em 15 dias, sabe muito bem e permite recarregar as baterias", considera a responsável.
Na altura, Alexandra Beirão Mendes e Mónica Brito entenderam que era necessário mudar alguma coisa para que os colaboradores sentissem que estavam a conciliar melhor a sua vida pessoal com a sua vida de trabalho, porque nos questionários de avaliação era reportado, muitas vezes, stresse no trabalho.
"Nós não percebíamos porque é que as pessoas estavam a sentir isso e, quando apareceu o piloto, nós achámos que era interessante tentarmos participar, pelo menos ver o que é que estava a ser proposto. E fomos sempre andando para a frente, para experimentar", recorda a diretora, admitindo que quiseram experimentar alguma coisa inovadora no ano em que a empresa fez 20 anos.
Hoje, a avaliação mostra que os colaboradores estão mais satisfeitos e há condições para melhorar. "Com o TOD, a maior parte das pessoas acabou por fazer coisas que não conseguia. Alguns conseguirem ir para o ginásio, por exemplo, uma vez por semana". Agora, acentua a responsável, "era importante que o Governo avançasse com legislação para este regime de trabalho".
Relatório de avaliação apresentado hoje
O projeto-piloto da semana de quadro dias de trabalho surgiu de uma iniciativa política do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social do anterior Governo. O estudo incluiu 41 empresas que adotaram diferentes formatos da semana de quatro dias, ao longo de 2023, abrangendo mais de mil trabalhadores.
A avaliação dos impactos da semana de quatro dias é feita em dois níveis: nas empresas e nos trabalhadores. As empresas foram avaliadas quanto à produtividade, custos e lucros, enquanto os trabalhadores foram avaliados em termos de bem-estar, qualidade de vida e saúde física e mental.
O projeto-piloto que estuda a semana de quatro dias revela que esta é positiva para os trabalhadores e não prejudica a economia. O relatório final mostra benefícios para a saúde mental dos trabalhadores e uma melhoria na conciliação entra a vida pessoal e o trabalho.
Do lado dos trabalhadores, há ainda a destacar a redução do absentismo, a queda evidente da exaustão e desgaste e o melhor equilíbrio entre trabalho, família e vida pessoal. De tal modo que 93% dos trabalhadores gostaria de continuar neste formato, revela o relatório final, que é apresentado hoje, numa sessão que decorre no salão nobre da Reitoria da Universidade do Porto.
O TOD "veio para ficar" com o teletrabalho e a flexibilidade de horários
A semana de quatro dias de trabalho tornou comum, no vocabulário dos colaboradores da Crioestaminal, uma nova expressão: o TOD, sigla de "Time Out Day", que é exatamente o quinto dia da semana que se transforma na folga extra. De tal modo que hoje já é comum ouvir fazer planos para o TOD, contar como correu o TOD ou, naturalmente, ansiar pelo próximo TOD.
Mas conciliar as necessidades de trabalho com o TOD e conseguir satisfazer todos os colaboradores - porque, no fundo, o objetivo é esse -, exige uma rigorosa organização dos recursos humanos.
Para integrar o piloto, numa primeira fase, a Crioestaminal criou uma espécie de comissão, que reuniu pessoas de todos os grupos de todos os departamentos - desde os laboratórios, à gestão de clientes e ao marketing - para perceber quais eram as dificuldades de cada um. Foram esses grupos que fizeram o horário das suas equipas, juntamente com os responsáveis e as chefias, apresentando depois a proposta aos Recursos Humanos.
Ajustar ao longo do tempo
"Foi uma maneira de envolver as pessoas e esclarecer dúvidas", frisa Alexandra Beirão Mendes. "Foi criado também um formulário, que ainda hoje está aberto, para que as pessoas coloquem as suas dúvidas e digam o que não está a funcionar bem, para irmos ajustando ao longo do tempo", assegura a responsável.
Para além da semana de quatro dias de trabalho, a Crioestaminal fez questão de manter a flexibilidade de horário. "As pessoas podem fazer pequenos ajustes no horário, respondendo às suas necessidades, desde que combinem com os colegas e as chefias", refere Alexandra Beirão Mendes. "Os colaboradores podem fazer também teletrabalho, dois dias por semana, deslocando-se nos outros dias à empresa. E, se os objetivos da empresa são alcançados, têm um prémio, que é convertido numa viagem.
"O objetivo destas medidas é diminuir as faltas, para não prejudicar a produtividade. E tem corrido bem", conclui a responsável.
Falar de flexibilidade de horários e de teletrabalho é ainda tabu na maioria das empresas. "Sim, mas não há hipótese de não falarem, porque a semana de quatro dias de trabalho veio para ficar", frisa. Por outro lado, "as novas gerações, se não gostam, vão-se embora", e a inteligência artificial está a chegar aos processos produtivos.
Texto retirado do Diário As Beiras: texto Dora Loureiro, fotografia Ana Catarina Ferreira.